Academia de Letras de Brasília

24-7-2020

 

O Professor João Malaca Casteleiro (29-8-1936–07-2-2020) foi um Estudioso, um Linguista, um Mestre universitário e um Académico operoso e prestigiado. Faleceu um tanto inesperadamente, no passado dia 7 de fevereiro, e deixou consternados os seus discípulos, os amigos e os confrades, com uma dolorosa sensação de perda para a Academia e para os estudos da língua portuguesa. Ficou-nos a saudosa memória e a grata lição. Bem podemos dizer, como o Padre António Vieira, que não morreu para ficar sempre morto. Revive hoje aqui connosco e há de continuar a sua comunicação com os vivos de hoje e do futuro, especialmente entre os falantes da língua portuguesa, que ele estudou com tanta dedicação e superior inteligência.

A Academia de Letras de Brasília merece o nosso louvor e um reconhecido agradecimento por esta iniciativa. Julgo que é a primeira — assinale-se o espírito generoso! — em que se promove uma sessão de homenagem e boa lembrança ao nosso saudoso confrade. No Brasil e ainda bem, porque a investigação e a obra do Professor Malaca Casteleiro deve redimensionar-se na policromia do mapa alargado da lusofonia, no Brasil e em toda a CPLP, incluindo a Galiza, como a sua mais anterga participação, na senda do pensamento do Professor Lindley Cintra.

Agradeço à diretoria da Academia, e em especial ao Professor Marcelo Duarte Porto, o convite e a oportunidade que nos é dada para nos associarmos a essa homenagem.

mcA Academia das Ciências de Lisboa promoverá oportunamente – logo que as condições da saúde pública o permitam – uma sessão, solenizada quanto possível, de evocação e de homenagem, com solicitada presença da família e dos amigos e certamente aberta à participação desta e de outras academias e a outras instituições devedoras de grata lembrança. Teremos de novo, então, oportunidade de admirar a lição exemplar da sua humanidade e de reconhecer e roteirar o seu legado científico e, com mais próxima motivação, o seu laborioso desempenho como Académico, na discussão e implementação do Acordo Ortográfico, no agenciamento, composição e redação do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, na criação do ILLLP (Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa), e em tantas outras meritórias ações que ilustraram a Academia das Ciências de Lisboa e, ao mesmo tempo, honraram os seus compromissos estatutários no âmbito do estudo e da política da língua portuguesa.

Agora e aqui, parece-me oportuno assinalar precisamente dois empreendimentos essenciais, geralmente pouco notados, de estudo, de pesquisa e de elaboração linguística, que deverão ser considerados, a meu ver, distintamente relevantes, entre os múltiplos contributos do Professor Malaca Casteleiro, para a ciência e para o ensino da língua.

Relembro, em primeiro lugar, a formação de professores qualificados para o ensino do português a estrangeiros, diversificando o ensino tradicional dos estudos linguísticos nos cursos de Filologia das Faculdades de Letras, que eram exclusivamente orientados para a formação de professores dedicados ao ensino da língua materna.

O Professor Malaca Casteleiro criou, na Faculdade de Letras de Lisboa uma licenciatura, expressamente dedicado ao ensino do português como língua segunda ou língua estrangeira (PLE/PL2). Ensaiou no ensino universitário português, superando algumas resistências institucionais, uma nova competência que foi depois adotada e repercutida em várias escolas.

Ligado em parte ao ensino do português a estrangeiros, destaca-se um outro capítulo do preenchido percurso curricular do Professor Malaca Casteleiro. Trata-se do recenseamento e ordenação do Português Fundamental, da publicação do Nível Limiar e do agenciamento e computação do Corpus do Português Contemporâneo que, mais propriamente se deveria designar «Corpus lexicográfico da memória ativa da língua».

Trata-se de projetos muito inovadores que começaram a integrar métodos estatísticos na observação e no estudo e descrição da língua. Estávamos no dealbar da nova era da informática e da computação. O professor Malaca Casteleiro, com arguta consciência da sua contemporaneidade, assumiu, na sua maior parte, a coordenação destes projetos.

O recenseamento do Português Fundamental foi iniciado pelo saudoso Professor Lindley Cintra há justamente cinquenta anos, com recursos computacionais que hoje consideramos rudimentares, mas foi concluído e publicado a partir de 1984 com um primeiro vocabulário de 2217 palavras (selecionadas pelos critérios de frequência e de disponibilidade) por uma equipa de investigadores linguistas do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, já sob a direção de Malaca Casteleiro.

Será oportuno aqui relembrar que a Comissão Científica deste projeto reunia a mais ilustre plêiade de linguistas daquele tempo e, entre os nomes mais merecedores de boa lembrança, salientava-se o do estimado e doutíssimo Professor Celso Ferreira da Cunha que estava justamente ensaiando no Brasil um projeto próximo do Português Fundamental, então designado por Norma Urbana Linguística Culta, conhecida pelo anagrama NURC, e prosseguida de outros projetos, agora sob a tutela científica do Professor Ataliba de Castilho, com valorização da Norma Oral Culta.

O Português Fundamental foi o mais importante projeto de pesquisa sobre a língua portuguesa, efetuado na segunda metade do século xx, e não se esgotou ainda a sua abundante, profícua e fundamentada informação.

Repercutiu-se na publicação do Nível Limiar igualmente dirigido e coordenado pelo Professor Malaca Casteleiro. Adaptado de outras línguas europeias, reúne um vocabulário básico de cerca de 6000 palavras e oferece o mais estudado e estruturado suporte para o ensino do português como língua estrangeira ou língua segunda.

A pesquisa do Português Fundamental deu ainda origem ao Corpus de Referência do Português Contemporâneo, que constitui hoje uma importante fonte, planturosa e disponível para o estudo da língua portuguesa e particularmente para o seu registo lexicográfico, especialmente na sua variante europeia.

Neste conjunto bem se espelha o mérito científico e o espírito inovador do Professor João Malaca Casteleiro.

Enriqueceu o nosso tempo, preencheu o nosso horizonte com o seu diligente e persistente trabalho intelectual; legou-nos uma herança fruível com aplicado e honesto estudo, bem merece os nossos louvores. Há de sempre continuar connosco.

Telmo Verdelho

Vocabulário da Língua Portuguesa é um dos recursos lexicográficos de referência da Academia das Ciências de Lisboa. Embora se tenha tomado como base de partida os anteriores vocabulários académicos, este vocabulário digital foi elaborado inteiramente de novo.

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