Homenagem ao Professor João Malaca Casteleiro, Mestre e Amigo
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Dado que o Professor Malaca Casteleiro teve a gentileza de propor a minha eleição como Sócio Correspondente Estrangeiro da nossa Academia das Ciências, sinto-me muito honrado de poder intervir na Sessão da Saudade em homenagem ao vosso Confrade Honorário, mas também ao nosso João Malaca Casteleiro, realizada em modalidade on-line no dia 24 de julho de 2020, por iniciativa da Academia de Letras de Brasília.
Em colaboração com os doutores José Chrys Chrystello e Luciano Pereira, estava eu desde outubro de 2018 a juntar elementos para contribuir para uma homenagem in vivo do nosso saudoso confrade, que estava prevista para ser realizada entre 2 a 5 de abril de 2020 no âmbito do 33.º Colóquio da Lusofonia em Belmonte. Infelizmente, a morte prematura de João Malaca Casteleiro no dia 7 de fevereiro de 2020 mudou a natureza da homenagem em eulogia e a crise da COVID-19 fez com que o colóquio em que a tão merecida sessão de homenagem era previsto fosse remarcada para 6 a 10 de abril de 2021.
Espero que não seja considerado um abuso do tempo e da confiança dos presentes, se aproveito da palavra para descrever a forma como conheci e privei com o saudoso Professor Malaca, pois creio que será a melhor maneira de descrever o homem singular que era.
Encontrando-me a estudar na Universidade de Coimbra como estudante de ERASMUS no ano académico de 1993/94, passei a maior parte do tempo sem aulas a recolher o vasto material sobre a minha tese de mestrado, dedicada à história da ortografia portuguesa desde os primórdios até 1911. Não me lembro de onde veio a ousadia, mas é certo que, em inícios de 1994, no âmbito de uma das minhas muitas viagens a Lisboa, me lembrei de ir procurar o autor da «Nota explicativa» do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 no seu lugar de trabalho. Como? Sem marcação, sem recomendação nem nada, fui, todo ingénuo na juventude dos meus 27 anos vividos na Alemanha, bater à porta do gabinete do famoso professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Por mais que tenha ficado surpreendido pela interrupção inesperada, o Professor Malaca mostrou-se disponível apesar de atarefadíssimo: dado que o tinha procurado por causa do meu interesse na Academia das Ciências e no seu papel relativo às várias fases da simplificação ortográfica, o mestre propôs que nos fôssemos reencontrar noutro dia e noutro lugar, já dentro da própria Academia das Ciências!
Como sócio da Academia das Ciências e presidente do ILLP que estava ocupadíssimo com o Dicionário da Academia das Ciências, o Professor Malaca teve a inesquecível bondade de me facultar o acesso e apresentar os veneráveis espaços daquela que agora é a nossa Academia. Foi graças a ele que me tornei um dos ávidos leitores do espólio histórico riquíssimo da Biblioteca da Academia, o que permitiu que a minha tese de mestrado, e mais tarde a minha tese de doutoramento, realmente pudessem ser tão completas quanto era de esperar, especialmente no que respeita às ortografias e gramáticas históricas!
Desde este feliz encontro em Lisboa, a sorte não permitiu que nos tenhamos encontrado mais do que duas ou três vezes ao longo da década e meia seguinte, uma vez que as respetivas vidas profissionais e académicas não propiciavam mais reencontros.
Mas foi desde o XIV Colóquio da Lusofonia, que teve lugar no Auditório Municipal de Bragança de 27 de setembro até 2 de outubro de 2010, que conseguimos renovar o nosso conhecimento. Com orgulho, posso dizer que chegámos a celebrar uma relação de amizade, podendo conviver em cerca de duas dezenas de colóquios, seminários e outros eventos científicos, em intervalos muito breves.
Neste âmbito foram especialmente importantes os laços comuns que criámos através da que hoje é a Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia, de que ambos fomos sócios fundadores em 2010. Desde 2002, os colóquios organizados por Chrys Chrystello, de que costumava haver duas edições por ano desde 2006, têm vindo à defesa pública do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Por isso, desde outubro de 2007, o Professor João Malaca Casteleiro e o confrade brasileiro, Professor Evanildo Bechara, vieram a desempenhar o papel importantíssimo de serem os patronos dos colóquios, sendo eleitos presidentes honorários da Associação em 2019.
Ainda antes de conhecer pessoalmente o Professor Malaca, eu próprio já tinha adotado a postura favorável perante o Acordo Ortográfico que tanto marcaria as últimas três décadas do nosso saudoso Mestre. Mas a minha adesão ao Acordo Ortográfico não se deveu à simples obediência a um espírito académico superior, pois não somente estudei as razões históricas e atuais, mas entendi e aceitei os fundamentadíssimos argumentos com os quais o Professor Malaca Casteleiro ultimamente se viu obrigado a rebater os argumentos maioritariamente falaciosos daqueles que em vez de procurar a verdade científica procuravam atacar e vilipendiar a pessoa do nosso saudoso confrade.
Militar da velha escola, o Professor João Malaca Casteleiro era uma pessoa de trato sempre extremamente correto. Mas os seus amigos, e graças a Deus permanece um número considerável deles, vão para sempre lembrar-se de um dos últimos Grandes Mestres que reunia os traços de lealdade extraordinária com uma afabilidade comovente! A este Grande Mestre sempre me ligará uma dívida que nunca poderei pagar.
Nalguns obituários que foram publicados por ocasião da morte do nosso saudoso confrade, houve quem o apelidasse, entre aspas, «Pai» do Acordo Ortográfico. Devido ao seu papel essencial no Anteprojeto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa e nas negociações que levaram ao estabelecimento do Acordo em 1990, parece-me justo identificá-lo, sem aspas nem reservas e com toda a devida gratidão, como o verdadeiro 'Pai do Acordo Ortográfico' de 1990!
Mais, como estudioso da história da ortografia portuguesa, não tenho qualquer dúvida de que João Malaca Casteleiro merece um lugar inter pares no olimpo dos pais da ortografia simplificada e unificada, junto com os saudosos confrades portugueses Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, Francisco da Luz Rebelo Gonçalves e Luís Filipe Lindley Cintra, assim como os Mestres brasileiros Laudelino de Oliveira Freire, José de Sá Nunes, e Antônio Houaiss – para não esquecer o grande amigo do Professor Malaca, o nosso caro confrade e amigo Evanildo Bechara que graças a Deus ainda esta entre nós!
Com grande choque, soube do óbito do nosso caríssimo confrade em fins da tarde do domingo, 9 de fevereiro de 2020. Passados mais de cinco meses, o sentimento de incredulidade e tristeza perante a perda permanece. Ninguém sabe melhor do que a Família do nosso saudoso confrade que sem o nosso amigo João Malaca Casteleiro o mundo fica mais pobre. Fica connosco a dívida de gratidão que nos obriga a garantir que ele e os seus méritos nunca sejam esquecidos!
Rolf Kemmler (Vila Real)
Sócio Correspondente Estrangeiro da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e investigador do Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). O CEL é uma unidade de investigação financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (UIDB/00707/2020).